Palavras soltas – 13

Instalo um poema no teu peito,
instalo-me em ti e adormeço.
O teu coração torna-se gigante
e a terra treme de palpitações.
Desperto.
Estou sentada numa cadeira de madeira,
cadeira desenhada numa folha azul.
Os meus pés tocam as ondas de aguarela
levantadas pelas oscilações terrestres.

19 de maio de 2021
Neusa Veloso




Palavras soltas – 12

A porta entreaberta
as crianças correndo como loucas lá fora
os pássaros com dores de cabeça de as ouvir
eu a bater com a cabeça na mesa sem saber o que fazer
mergulhei os dedos num revólver de brincar
fui até à porta e disparei.
Senti-me melhor
ainda que nada tivesse realmente mudado.
O gato começou a miar
também levou com um disparo de brincar.
Queres croquetes ?
Vai ao supermercado buscá-los.

6 de junho de 2021
Neusa Veloso

Palavras soltas – 8

Furaram-lhe o coração
meteu um pano branco
tentou cessar a hemorragia
o pano tornou-se vermelho
perdeu os sentidos
a morte levou-o.

Isto era o que ele pensava.

O furo não existia realmente, mas era como se existisse.
Porque pensamento vira emoção que vira matéria.
O furo está lá sem estar.
A hemorragia também.
Morre-se sem morrer.

– Estás morto?
– Estou.
– E estás a falar? Pensava que os mortos não falavam.
– Realmente, estou a falar. E estou morto. Estarei mesmo morto?
– Não me parece. Respiras.
– Respiro? Tens a certeza?
– Tenho.
– Será que não morri?
– Não me parece que tenhas morrido.
– Mas fiquei com a certeza de estar morto.
– Pelos vistos era apenas uma sensação.
– Não acredito. Não pode ser, tinha mesmo certezinha absoluta.
– Olha, pois a tua certezinha absoluta estava errada.
– Fogo, então morri e ressuscitei.
– É uma boa explicação. Vamos tomar um café?
– Vamos. Pagas tu? Devo ter deixado a minha carteira do outro lado…

Fim.

Neusa Veloso